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Fernando Pessoa e a Mente de Principiante


Fernando Pessoa, famosíssimo poeta português, criou diversos pseudônimos para publicar seus poemas.

Um deles foi Alberto Caeiro, um personagem que se assemelha muito ao Buddha em suas percepções do mundo.


Por isso mesmo, trouxe para vocês partes dos 2 dos meus poemas preferidos dele: “Realidade” e “Pensar”.

(leia os poemas completos abaixo, no fim do post)


Estes dois poemas falam muito sobre a mente de principiante (Shoshin), um conceito do budismo zen.


Quando você medita e se conecta com a consciência de forma a se libertar (mesmo que momentaneamente) das expectativas e ideias preconcebidas sobre o que vai acontecer em seguida, você atinge a mente de principiante.


Com ela, toda a experiência de cada momento é observada como cheia de possibilidades.


Cada momento, sensação, som, imagem, pensamento, gosto, cheiro, textura é uma novidade, algo temporário, incrível e completamente absurdo que possa ser experienciado.


Quais são as suas percepções sobre esses poemas?


"REALIDADE: A realidade é uma descoberta permanente.


A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é.


Basta existir para se ser completo.

Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."


"PENSAR: O mundo é para ser sentido e não pensado.


O que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto.


Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo..."


POEMAS COMPLETOS:


REALIDADE: A realidade é uma descoberta permanente.


A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.


Basta existir para se ser completo.


Tenho escrito bastantes poemas.

Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.

Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.


Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra,

Gosto dela porque ela não sente nada,

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.


Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.


Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;

Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,

Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;

Porque o penso sem pensamentos,

Porque o digo como as minhas palavras o dizem.


Uma vez chamaram-me poeta materialista,

E eu admirei-me, porque não julgava

Que se me pudesse chamar qualquer coisa.

Eu nem sequer sou poeta: vejo.

Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:

O valor está ali, nos meus versos.

Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.


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PENSAR: O mundo é para ser sentido e não pensado.


II

O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar...

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